Quase ninguém ouve os gritos de Laocoonte e de seus filhos no Ibirapuera
Por Marcelo Pedrosa
Contam a Ilíada e a Odisséia de Homero que Laocoonte era um seguidor do deus Apolo da cidade de Tróia. Pressentindo que o famoso “cavalo de Tróia” deixado pelos gregos à porta da cidade trazia mau agouro, ele tentou avisar aos troianos para não o levarem para o lado de dentro de suas muralhas. Poseidon, deus dos mares e aliado dos gregos, enviou então duas serpentes marinhas para devorar a ele e seus rebentos e calá-los. Essa é a história contada pela escultura Laocoonte e seus filhos, cuja original se encontra no Vaticano e da qual existe uma réplica no parque do Ibirapuera (foto), em São Paulo. Considerada um das mais perfeitas esculturas da antiguidade, nela se vê Laocoonte com uma expressão facial de dor e desespero. Mas, pelo menos no Ibirapuera, seus gritos não são ouvidos.
“Não, não dá tempo” e “não sou apegado nessas coisas” é o que diz o vigia do parque, Nei Pereira, quando perguntado se já tinha prestado atenção na escultura e o que achava dela. Talvez essa desatenção se deva ao fato de a obra de arte estar muito mal posicionada. Localizada perto do portão 9A, um lugar de grande fluxo de pessoas, a réplica está no nível do solo, o que não é recomendável. Há também um poste de iluminação ao lado da peça, e segundo Stefan Kovach, frequentador do parque, “fica horrível uma escultura do lado de um poste de luz”. E fica mesmo. Além disso, não só essa, mas todas as outras esculturas do parque do Ibirapuera sofrem com a falta de cuidado do público. “As crianças sobem em cima para tirar fotos; as pessoas não têm cuidado. Por isso, todas as esculturas sofrem manutenção periódica”, diz Valter Lasneaux Soares, funcionário do serviço administrativo do parque.
Instalada no local desde a inauguração do parque do Ibirapuera em 1954, a obra, que originariamente estava localizada na Avenida Nove de Julho, foi esculpida pelo Liceu de Artes e Ofícios. Feita em bronze, ela impressiona quando a relacionamos com a história que ela conta. As feições faciais de Laocoonte e seus músculos retesados pela luta com as serpentes são impressionantes, ainda mais se levarmos em conta que, como estátua, essa luta vai durar para sempre. Por esse e outros sofrimentos, Laocoonte merecia um pouco mais de consideração. A obra, a cidade e os apreciadores de arte ficariam agradecidos.