Onde é que a gente vai chegar? 

 

    

Com versos decassílabos o poema O Navio Negreiro (1869) de Castro Alves tinha como trecho a descrição ímpar do transporte de escravos: “Ontem a Serra Leoa, a guerra, a caça ao leão, o sono dormido à toa sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, infecto, apertado, imundo, tendo a peste por jaguar...”

O homem negro se fazia necessário pela sua força. Impunha – até mesmo para seus “donos” – sua presença forte na engrenagem econômica da época.

Maltratados durante suas viagens, ficavam durante meses apertados, sujos e à mercê de doenças fatais. Sabe-se que menos da metade dos embarcados sobrevivia à travessia oceânica, segundo os frios livros.

A sorte do homem é que a água que cai dos céus, em suas mais variadas formas e proporções, acompanha tudo no ciclo eterno de sua existência e une, de maneira descompromissada e em uma única corrente, todo o planeta no espaço e tempo.

O motorista, Jorge Eduardo Matias Silvino, 34 anos, parava sua caminhoneta na estrada, a alguns metros de um transeunte, oferecendo-lhe lugar em um dos bancos.

Assim que lotavam os acentos de couro, lugares sujos de todas as manchas existentes, mas totalmente secas pelos muitos sóis, os homens e mulheres iam se juntando na parte de trás do pequeno pau-de-arara, uma jaula de barras verticais e horizontais de madeira escura grossa e por vezes cortante. Jorge se gabava constantemente pela segurança que oferecia aos seus clientes. Alguns machucados eram inevitáveis, principalmente nos joelhos e antebraços dos passageiros de olhos febris e semicerrados.

Durante uma viagem de cinco horas pelas estradas de Olho d’Água das Flores, localizada no médio sertão de Alagoas, a 197km de Maceió, nenhum sorriso preencheu o carro do homem que falava sem parar e que parecia pouco se importar com a lotação iminente.

 Homens de chapéus de couro, sentados pela metade na parte fina que fechava a traseira do automóvel, gritavam para descer e corriam em direção ao motorista para pagá-lo, confirmando a suspeita dos atentos sobre a existência de uma áura de respeito à palavra de honra dos homens, ainda que, fugidios, pudessem simplesmente sair e andar. Conheciam bem o significado da palavra honestidade.

Ao ser perguntado por um passageiro, um dos que estavam recostados em couro e lama, sobre o trajeto e o preço correspondente, Jorge Eduardo fechou os olhos e balançou a cabeça como se pudesse ver, dentro de suas pálpebras, letras e números submersos em um gel viscoso e inflamável, já que estava a 80km/h e atravessava caminhos sinuosos como cinturas dançantes de odaliscas ou cleópatras poderosas, prontas para subjugar aquele que ousar enfrentá-las. 

 O belo verde da paisagem que corria em direção oposta, além de não ser característico do ambiente, quase sempre seco, pouco representava para os passageiros aflitos de feições tristes, desejosos de uma rápida descida.

Mudam-se as motivações, o uso da força fisíca ou a necessidade de trabalhar, as pessoas, o transporte, o lugar, o tempo, o sofrimento e até as preocupações quanto ao conforto. Mas ainda é sempre o mesmo desejo de se chegar em algum lugar, o desejo de fechar os olhos e acordar em seu destino, seja ele qual for